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quinta-feira, 1 de novembro de 2012

BRANCA DE NEVE E A CAÇA AO CORVO

Última atualização em 12.11.2013
Uma reflexão&opinião sobre o filme "BRANCA DE NEVE E O CAÇADOR"

E o universo teve um começo...

  “No princípio Deus criou os céus e a Terra. A Terra, porém, estava informe e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas. Deus disse: ‘Faça-se a luz’. E a luz foi feita. Deus viu que a luz era boa, e separou a luz das trevas. Deus chamou à luz DIA, e às trevas NOITE. Houve uma tarde e uma manhã: foi o primeiro dia”.
Fortuitamente, essa é a primeira impressão que tenho ao iniciar o filme “Branca de Neve e o Caçador”, reservando a idéia transparente da BELEZA e da INVEJA que permeia todo o tempo, foquemos nossa visão, a princípio, na Criação do universo, a natureza e o destino dos homens entrelaçados pelas forças do bem e do mal, Deus e o demônio.
Extraordinariamente, interpreto a rainha (MÃE de Branca de Neve) como o Deus Celestial que “em nome de tudo o que é bom e justo”, nos concede um mundo perfeito.  (o filme)
Repare que os pensamentos dela se manifestam rapidamente ao avistar uma roseira seca e coberta de gelo, mas que possui “uma rosa que floresce desafiando o frio” diante daquele inverno gelado. A rainha, “ao tocar aquela rosa espetou o dedo e três gotas de sangue caíram” e como o vermelho se mostrou tão vivo em contraste com a neve, ela logo desejou: “Queria ter uma filha tão branca quanto a neve, de lábios vermelhos como sangue, cabelos negros como as asas de um corvo e com a força dessa rosa” (o filme)

Ao meu ver, as três gotas de sangue é o impulso para os projetos e desígnios de Deus invocando a Santíssima Trindade – “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Nasce então, toda a beleza e a inocência que poderia proteger o universo de todo o mal que já habitava a terra, com o nome “BRANCA DE NEVE”.

Simultaneamente, o mal que já habitava a terra prosseguia em nome do Poder, em nome da Vaidade e da riqueza chamada de “RAVENNA”.  Uma menina, de aproximadamente seis anos de idade, e que, para fugir ao ataque de um exército, de “batalhas e vidas perdidas”, recebe um feitiço de sua MÃE (o demônio) para que alcançasse Poder e Proteção.  Feitiço este, também constituído por três gotas de SANGUE: “Pelo sangue da mais bela foi feito, mas lembre-se, pelo sangue da mais bela o feitiço poderá ser desfeito.”  “Só a sua beleza poderá salvá-la Ravenna. Este feitiço fará sua beleza lhe dar Poder e proteção. Três gotas de sangue que podemos considerar uma menção ao tríplice poder republicano – o Poder Legislativo, o Poder Judiciário e o Poder Executivo.

Uma outra conexão que podemos fazer com as três gotas de sangue é a CRIAÇÃO DE DOIS MUNDOS E DOIS REINOS.
Para Branca de Neve, o reino do Deus Celestial. Para Ravenna, o reino do Deus da Terra (vivo, do submundo - Político)
É importante ressaltar, também, que o nome RAVENNA vem de raven que significa corvo. O corvo na mitologia contemporânea tem conotação política e religiosa, podemos encontrar ainda personagens de desenhos que representam o corvo com túnicas de monges na cor púrpura dando-lhe um significado sombrio, negro como a noite e sujo como o asfalto onde pisas.
“O ouro me servirá para que se eu estiver sendo morto, devorado pelos corvos?”

 E assim se fez o universo: “entre o céu e a terra”.
O mal sempre conspirando contra o BEM , e antecessor a ele, pergunta:

-“Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?”
-“És a mais bela minha rainha!"
   “Mais um reino dobrou o seu esplendor, teu poder e tua beleza.”

 Todo o universo se corrompe com Ravenna e mostra alguns presságios:

  1. “O reinado foi tão nocivo que envenenou tanto a natureza quanto o povo. A terra padeceu e com ela a esperança.”
  2. Suga a alma da juventude e se alimenta dela para atingir a imortalidade.
  3. Não existe lealdade e não se pode confiar em ninguém!
  4. “Uma vida pela outra. Ela pode tirar vidas ou conservá-las.”
  5. “A floresta negra se alimenta da sua fraqueza.”
  6. “Tomes o coração de BRANCA DE NEVE e nunca mais te alimentarás de juventude. Nunca mais envelhecerá e enfraquecerás
  7. “Só demônios e espíritos atravessam a floresta negra”
  8. “Prometeram ouro e recebemos cocÔ.”
  9. “Já vivi muitas vidas. Eu destrui reinos inteiros, e eu tenho poderes que estão além de sua compreensão. Nunca vou parar. Nunca! EU VOU DAR A ESTE MUNDO MISERÁVEL A RAINHA QUE ELE MERECE!”
O encanto da natureza e da vida estava submerso na escuridão. Porém, havia uma esperança: Branca de Neve. Sua inocência e pureza poderiam destruir Ravenna, e sua beleza paralisá-la, e com ela, todo o reino do mal. Com todo seu esplendor, Branca de Neve e o caçador atravessam a floresta negra e encontra oito anões que tentam roubar-lhes ouro. Uma versão um tanto diversificada do filme tradicional. Se naquele eram trabalhadores nas minas de ouro, representando uma classe operária; neste eles se transformam de sete para oito anões e ladrões. Bebem em taças de ouro e se reunem sentados como Imperadores Romanos. Uma inovação de grande importância foi acrescentar mais um anão. Talvez uma referência irônica a despeito de um SISTEMA versus o POVO. Mostrar que os anões são uma raça ...  PEQUENOS e de uma condição GENÉTICA (IN VITRO) que "diminui  a altura média de um indivíduo";  dando-lhe nomes não mais qualitativos ou sentimentais, abstratos como feliz, zangado, soneca, mestre e etc; mas nomes próprios que traduzem a existência de personalidades históricas. Uma referência ao que somos e o que todos nós entre ricos, pobres e magnatas se tornarão diante de um único DEUS. Enfim, geneticamente, ciberneticamente e por aí vai conservados. Fim da fantasia e introdução da realidade.  Já que estamos falando em “Criação”, não seria uma forma crítica aos corvos, ao Império romano, a inquisição e aos maiores ditadores que a humanidade já viu? Sim. Acredito em algo sublimar quanto a isso, porém por se tratar dos amigos de Branca de Neve, só poderia ser grandes mártires da nossa história que lutaram contra toda a opressão e a favor de toda resiliência, autoconfiança e resistência. Estes deverão renascer em um futuro bem próximo.
Em um diálogo com Branca de Neve, “Gort” desabafa:

-“Seu pai era um homem bom. O reino prosperava e nosso povo prosperava. Trabalhávamos nas Minas de Ouro e éramos excelentes mineiros porque conseguíamos ver a luz na escuridão. Quando voltamos à superfície não havia mais nada. A terra havia escurecido e tudo e todos haviam sumido. Morreram.”
O mistério continua no personagem de FINN, irmão de Ravenna, que através dos feitiços da irmã possui o poder da juventude. Seu cabelo chama muita atenção para um retorno ao passado, onde um "segredo é a resposta para tudo que foi, tudo que é e tudo que virá a existir." (Emerson) Representa também o Cavaleiro Templário em proteção do Reino de Ravenna.
Na sequência, e mais uma vez mencionando a “Criação do Universo”, temos o momento em que Branca de Neve é envenenada com a maçã. Teríamos aqui o Jardim do Éden ou uma referência aos maiores comerciantes de maça do mundo? Falemos apenas do “Jardim do Éden”

Na tradição bíblica, o Jardim do Éden, do hebraico Gan Eden, גן עדן, é o local onde ocorreram os eventos narrados no Livro do Génesis (Gen., 2 e 3),[1] onde é narrada a forma como Deus cria Adão e Eva, planta um jardim no Éden (a oriente), e indica ao homem que havia criado, para o cultivar e guardar.

A ordenança dada por Deus seria a de que o Homem podia comer os frutos de todas as árvores do jardim, excepto os da árvore do conhecimento do que é bom e do que é mal. Ao desobedecer esta ordenança e comer esse fruto proibido, Adão e Eva eventualmente ficam a conhecer o bem e o mal, e do pecado nasceu a vergonha e o reconhecimento de estarem nus. Em resultado da desobediência, Deus expulsa o homem do jardim. (Wikipédia)

 QUE BELEZA! É o pecado original.

Reparem as palavras chaves: Deus, frutos, árvore do conhecimento, fruto proibido, pecado, vergonha. Quer afirmar que Deus nos abençoa com a árvore do conhecimento, mas não podemos usufruir do fruto proibido ou seremos castigados com a vergonha.
Em contrapartida, devemos comparar a semelhança do “jardim do Éden” (Deus Celestial) com a “Constituição de uma República” (Deus da Terra), ou seja, temos regras morais e sociais a cumprir perante esses Deuses. Enquanto um nos abençoa com a “árvore do conhecimento” e todos os benefícios naturais, o outro nos burrifica e escraviza. Neste, o fruto proibido é a SABEDORIA e a liberdade de expressão. Sua desobediência implica exatamente no reducionismo do ser, exclusão e vergonha eterna. E o que é pior, blasfema o nome de Deus, e se sobrepõe a ele como único e verdadeiro.

Negligente, Branca de Neve cede a magia de uma bela maçã e um belo rapaz, então, cai enfeitiçada sobre a terra e subitamente morta, até que se desfaça o feitiço.
Sem perceber foi tomada pelo Pecado: a luxúria, a vaidade, a gula, cega sua sensibilidade interior e a deixa entre a vida e a morte. Condição que só poderá ser desfeita com a mesma inocência e pureza que possui – seu amor universal e incondicional.
Predestinada e dotada dos mais puros sentimentos, Branca de Neve levanta do seu leito de morte e anula o sepulcro, dizendo:

“a morte não favorece a ninguém. Devemos cavalgar como turbilhão sob o estandarte esfarrapado do meu pai. Já repousamos tempo o bastante.

Do gelo a chamas. Das chamas ao gelo. O ferro vai derreter. Ele irá contorcer-se por dentro. Por todos esses anos eu só conheci a escuridão. Mas quando os meus olhos se abriram eu vi a luz mais brilhante e eu sei que essa luz arde em todos vocês.

As brasas precisam se inflamar. O ferro se tornará espada, e eu, serei a sua espada, forjada pelo fogo que eu sei que existe no coração de vocês, porque, eu vi o que ela vê e eu sei o que ela sabe. Posso matá-la, e eu, prefiro morrer hoje do que viver nesta morte mais um dia”

Então, levantam-se os brasões do bem contra o mal. Trava-se uma luta entre Branca de Neve e Ravenna, que ao pretender dar o golpe fatal em Branca de Neve, estende-lhe o punhal dizendo: “Pelo sangue da mais bela foi feito...”

E Branca de Neve se defende com o punho da mão direita, e com a esquerda, arrebata-lhe um punhal no coração dizendo: “e só  pelo sangue da mais bela poderá ser desfeito.”  SENSACIONAL!

Nesse momento, Ravenna, silenciosamente, percebe que era ela a mais bela e arranca o punhal que lhe rasga o coração, arrastando-se pelo chão sem tirar os olhos arregalados e lançados em direção a Branca de Neve que se aproxima dizendo suavemente: “você não pode ter o meu coração”. Ravenna, vencida, envelhece e morre.  No mínimo, podemos dizer que "Morrer" significa desfazer o encanto que mantém a beleza e juventude de Ravenna. A generosidade de Branca de Neve é incomparável. Ela poderia ter dito:  você não vai ter o meu coração!
Concluindo, percebe-se que a obsessão de Ravenna não lhe deixou ver sua beleza externa e que as aparências enganam. Um espelho mostra a verdade, mas não diz a verdade. Observando que o espelho mágico de Ravenna, sendo ele esférico e convexo, caracteriza-se revestido de uma substância de metal, mercúrio e ouro, e essencialmente, assume uma forma humana, então, é óbvio que nem tudo que ele diz é verdade. Resta compreender que o espelho mágico poderia estar fazendo um paradoxo da beleza externa e interna articulada pelo "Imperativo Categórico" de kant,  onde, a "liberdade humana é o fundamento de nossas ações e princípios da vida, fazendo parte essencial na prática moral", e que, "leva em consideração padrões universais aplicáveis que estabeleçam a harmonia coletiva". (Martinelli, artigo de filosofia).
Quer afirmar que as personagens de Ravenna e Branca de Neve teriam a função de ramificar o conflito do próprio "eu" interiorizado no ego de cada ser humano, sendo as personagens, uma mesma pessoa afirmando sua individualidade. Todo ser humano é racional, mas, com visão em si mesmo. Todo ser humano é dotado de Materialidade e Espiritualidade, mas a razão pura é quase sempre vencida pelo materialismo. Neste ponto, deparamos com uma passagem no filme em que o espelho mágico tenta advertir Ravenna sobre a força que tem a beleza interior ao dizer: “Minha rainha! Hoje, existe uma mulher ainda mais bela do que ti. Teus poderes perderam força por causa dela.”

Nesse aspecto, Clarice Lispector em uma de suas obras, define bem a mensagem trazida pelo espelho mágico:


“Só que a pergunta da rainha não cabe. E nem importa. Você não há de perguntar “quem é mais bela do que eu”. O melhor é perguntar ao espelho: “como posso ficar mais bela do que eu?”

Eis os ingredentes para um espelho mágico: 1) um espelho propriamente dito, de preferência daqueles que cabe o corpo inteiro; 2)você mesma diante do espelho; 3) coragem. Só porque falei em coragem, aposto que você está se preparando para a idéia amedrontadora. Não é isso. Coragem para se ver, em vez de se imaginar. Só depois de se enxergar realmente, é que você poderá começar a se imaginar. E, sem mesmo sentir, começará algum plano cujo secreto é o de atingir o que você imaginou.

Mas lembre-se a imaginação só serve quando baseada na realidade. Seu “material de trabalho” é realidade a respeito de você mesma.

Não vou lhe dizer o que você deve fazer para melhorar de aparência. Não tenho a pretensão de ensinar peixe a nadar. E só uma coisa é que você não sabe: que você sabe nadar. Quero dizer, se você tiver confiança em você mesma, descobrirá que sabe muito mais do que pensa.

Mas, de qualquer modo, estarei por aqui para ajudar você a não esquecer que sabe.”  Clarice Lispector

Ao final, tem-se a impressão de um filme mal acabado e sem emoção alguma. Portanto, é preciso ir além; ver além das cenas e trabalhar positivamente com a concepção de detalhes e das coisas que nos pareceram extremamente ridículas.
Comecemos, então, pela frase do livro “O Pequeno Príncipe” – “O essencial é invisível aos olhos”.  As vezes, as palavras tornam-se repetitivas, agressivas e cansativas demais. Pura demagogia ou blá blá blá (embromação). Aqueles momentos em que “não houver desejo, quando não restar nem mesmo dor, ainda há de haver desejo em cada um de nós aonde Deus colocou”. (Enquanto houver sol – Titãs) É necessário concluir na afirmativa que há momentos em que atos, palavras ou gestos não tem a mesma força daquilo que se pode sentir e o ideal é conseguir penetrar em seu interior e ouvir a voz do coração. Com certeza, se deixar levar pela profundidade do ser, vai se maravilhar com os resultados que vai obter. Quebrando toda rotina monárquica, Branca de Neve é coroada sem alardes, sem discursos, e especialmente, carregando no lugar de um cetro de ouro, um galho seco de árvore, mas que floresceu após o extermínio de todo o mal.

Uma conquista árdua e significante que imprime a certeza de que a

 Memória e verdade são constitutivas da justiça como realização de condições para a efetivação da dignidade humana. A justiça exige o reconhecimento das injustiças e de suas vítimas, aqueles/as que sofreram a injustiça. Sem isso, a justiça é vazia. Por isso, sem que as próprias vítimas possam dizer sua palavra, sua verdade, recorrendo para isso à memória dos fatos que as levaram à situação de vitimização, não há justiça. O querer justiça como memória e verdade das vítimas é um direito das próprias vítimas, mas não só, ele também é de todos os seres humanos, até porque esta é a forma efetiva de engajar a todos/as para que não sejam produzidas novas vítimas.

Por isso, o direito à memória, à verdade e à justiça se constitui num dos direitos humanos mais basilares para a convivência em sociedade. O nunca mais a todo e qualquer tipo de violação de direitos, a todo tipo de situação que produz vítimas, a todo tipo de inviabilização do humano, é a expressão positiva do queremos um mundo justo e humanizado para todas as pessoas, indistintamente." (CARBONARIA, 2011, p.1)

Por tudo isso, “em nome de tudo o que é bom e justo nesta terra”, recebe a coroa, e em silêncio, Branca de Neve provou ser ainda mais bela.
Referências:
Imagens da internet
Montagem: Carla
 
Branca de Neve e o Caçador (Snow White and the Huntsman, 2012 / EUA)
Direção: Rupert Sanders
Roteiro: Evan Daugherty, John Lee Hancock e Hossein Amini
Com: Kristen Stewart, Chris Hemsworth, Charlize Theron, Sam Claflin, Sam Spruell, Ian McShane, Bob Hoskins, Ray Winstone, Nick Frost, Eddie Marsan, Toby Jones, Johnny Harris, Brian Gleeson
Duração: 127 min.


CARBONARI, Paulo César. O Risco da Verdade. Carta Maior. Direitos Humanos. 2011
(*) Doutorando em filosofia (Unisinos), professor de filosofia no Instituto Berthier (IFIBE, Passo Fundo, RS), membro do conselho nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH).
Disponível em:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaImprimir.cfm?materia_id=18924

MARTINELLI, Neiva da Silva. A moral do dever em Kant. Filosofia. Disponível em: http://meuartigo.brasilescola.com/filosofia/a-moral-dever-kant.htm


Wikipédia. Jardim do Éden. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jardim_do_%C3%89den
 obs.: todas as fontes serão citadas.



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